Não dá para questionar o fato de que há um muro que separa o Brasil do restante da América Latina e que ele é particularmente sentido na área cultural. O intercâmbio entre bandas, por exemplo, acontece de forma desigual se pensarmos no que se consome de música brasileira nos outros países e o que recebemos aqui. O sucesso feito pelos Paralamas em terras argentinas na década de 1980 é um exemplo. Na época, criaram vínculo com artistas como Fito Páez e Charly García, que não tiveram a mesma sorte no Brasil.
As causas desse fenômeno passam, é claro, pela língua, mas isso não esgota a questão, que tem também como ingredientes aspectos de mercado, e, sobretudo, aspectos geográficos. O fato de o Brasil ser um país-continente, com todas as suas variantes internas, é um deles. As fronteiras são outro ponto que chama a atenção. O Sudeste e o Nordeste estão de cara para o mar, digamos assim. Um é o centro econômico que pauta, em grande medida, o que se consome no país. O outro tem uma força identitária e uma riqueza cultural que é auto-suficiente e inesgotável. Não que não seja assim nas outras regiões, mas é significativo que o contato direto, o convívio mais frequente com outros países se dê nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sul. Quando avança pelo território brasileiro, essa troca acaba perdendo a força.
No entanto, a repetição tem a estranha força de mudar o valor de verdade das afirmações e quanto mais se diz que há um muro, mais iniciativas surgem para derrubá-lo. Uma dessas grandes iniciativas chega a sua 5ª edição em 2014. O Festival El Mapa de Todos acontece em Porto Alegre entre os dias 11 e 15 de novembro. Na edição de 2013 recebeu, por exemplo, o uruguaio Max Capote e as dominicanas Las Acevedo, artistas que você ouviu recentemente aqui no Invasões. A edição 2014 vem com um lineup caprichadíssimo, que passa por Uruguai (Buenos Muchachos, Molina Y Los Cósmicos e Daniel Viglietti), Colômbia (Bomba Estéreo e Andrés Correa), Chile (Camila Moreno) e Argentina (Bestia Bebé), e se completa com valorosas pratas da casa.
Ouça aqui uma amostra de cada uma das atrações internacionais do Festival. Daniel Viglietti, que há décadas se mostra atento aos grandes feitos da MPB, canta o clássico “Construção “de Chico Buarque.
Além das bandas latinas o Festival tem artistas brasileiros das mais variadas vertentes, como o clássico Mundo Livre S/A, o hype dos Boogarins, e o gaúcho-raiz Luiz Marenco. Não nos demos ao trabalho de apresentar as bandas aqui, mas não foi por preguiça. Faça uma visita ao portal Senhor F e você verá o motivo. Há anos construindo esse espaço de integração musical Brasil-América Latina, o trabalho capitaneado pelo jornalista Fernando Rosa é irretocável. Lá você conhece essas e muitas outras referências do que se tem produzido no nosso continente. A produção vai muito além do festival e conta com resenhas, matérias, notícias e um selo que já lançou muita banda nova importante no cenário indie brasileiro.
Depois de frequentar o Senhor F você vai ter que pensar duas vezes antes de falar em muro novamente. Se quiser continuar repetindo essa história é necessário fazer a ressalva: “mas tem o Senhor F”. Se não fizer, vai ter que considerar a possibilidade de ouvir de alguém lá do sul do país a réplica: “que muro?”