Antes de tudo é preciso dizer: a música que o Kiosk faz é proibida em seu país.

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Kiosk: Tara, Ardalan, Mohammad, Ali e Arash / Photo: LA Weekly

Mas mesmo tão distantes de casa, Arash Sobhani (Guitarra e vocais), Ardalan Payvar (Teclados), Ali Kamali (Baixo), Tara Kamangar (Violino) e Mohammad Talani (Guitarra) continuam fazendo música e sonhando com um Irã livre. Em 2014 a banda lançou seu sétimo disco, Zang Bezan Azhans (Chame um Táxi), e foi quando começamos a conversar*. Este é o primeiro de uma série de três posts com a entrevista que a banda nos concedeu.

Contexto

Invasões Bárbaras – É difícil para um ocidental imaginar o Irã antes da revolução. Como era o país, em termos de política, cultura e liberdade?
Arash Sobhani: Acho que a região toda era muito diferente. A opressão política era mais efeito colateral da Guerra Fria, havia muita pressão sobre comunistas, como em outros países, inclusive na América Latina, mas o governo não interferia na nossa vida particular. As pessoas aproveitavam a vida como em qualquer lugar, e os artistas também, especialmente. A cena musical era realmente ativa e progressiva. O Irã era uma ditadura pró-ocidente, mas agora é uma ditadura de ideologia religiosa que penetra de todas as formas na vida e na casa das pessoas.

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Homens e mulheres nos anos 70: estudando juntos (na Universidade de Tehran), saindo juntos

IB – Na época da suposta abertura política (governo Khatami, 1997) você tentou começar uma banda legalmente no Irã (o grupo se chamava Name of the Night) antes de partir para os EUA. Como foi a experiência?
Arash: Havia uma grande urgência da geração mais nova, os iranianos abaixo dos 30 anos eram 70% da população. Eu acho que o regime tentou mostrar alguma tolerância, mas no fundo continuavam tão repressivos quanto antes. Eles nos deixariam gravar um disco, mas com censura das letras. Forçaram-nos a mudar o nome da banda porque achavam muito “rebelde”.
Eles nos deixavam marcar apresentações, depois de conseguir todos os tipos de permissão, mas a cada 3 shows 2 eram cancelados pela polícia no dia anterior. Isso era muito frustrante. Nós éramos jovens e voltávamos a pedir permissão por uma nova data e um novo show. Mas, basicamente, o governo tenta conter a população jovem e é isso que eles fizeram! Acharam um jeito de deixar escapar um pouco da pressão antes do pote explodir.
IB – E vocês já chegaram a ter algum problema com a ilegalidade da música? O que vocês faziam no Irã para evitar problemas com a lei?
Arash: Você precisa ter um cuidado extra, usar saídas criativas para andar seguro. Já fomos parados pela polícia levando equipamentos musicais e eles tentaram criar uma situação difícil para nós, mas de modo geral sempre fomos sortudos e cuidadosos. Alguns amigos foram presos em festas e tiveram seus instrumentos confiscados, além de ter que assinar papéis na polícia se compromentendo a não tocar música novamente!
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A cena rock iraniana dos anos 60 & 70 se perdeu por completo / Photo by Mehrdad Dorrani

IB – O que pode lhe acontecer se você foi um músico “marginal” segundo a lei iraniana? Quais as penalidades?
Arash: O problema com a música e a censura é que não há um rol claro de leis, eles são ótimos em manter tudo ambíguo. Dessa forma, as pessoas começam uma auto-censura porque qualquer coisa pode ser ilegal. O ponto é que eles não gostam de música, pra começo de conversa. Até o líder supremo já externou não gostar que música seja ensinada nas universidades, e isso é tão desumano e retrógrado.
Então, não existem penalidades previstas em lei, mas dependendo do caso e do quanto eles quiserem fazer de você um exemplo eles podem vir a ser bem criativos na hora da punição!
IB – Existiu uma cena rock iraniana antes da revolução?
Arash: Sim, por volta dos anos 60 havia um bom número de bandas fazendo alguns trabalhos incríveis. Infelizmente, não era uma cena mainstream, ela era nova ela não podia competir com gêneros mais populares ou mais amigáveis ao rádio, então a maioria está esquecida agora.
Mesmo hoje, grande parte das bandas underground não conhecem essa herança. Esse é um dos problemas de um movimento cultural e de tradições artísticas que teve uma morte repentina a partir da revolução de 79. E a geração que nasceu depois disso não tem familiaridade com o trabalho e os esforços dos músicos que vieram antes deles.
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Ardalan: “Conseguir um pôster ou uma fita k-7 do  Metallica não era fácil” / Photo By Hami Roshan

IB – Não conseguimos evitar a lembrança de Persepolis, obra de Marjane Satrapi. O livro tem uma passagem triste e curiosa para qualquer um que ama música: ela comprando suas fitas k-7 um mercado negro, como se fossem drogas, e seu pais lhe trazendo pôsters do Iron Maiden e Kim Wilde como se fosse contrabando. Claro que vocês devem ter passado por coisas parecidas.
Ardalan Payvar: Todos nós tivemos experiências assim vivendo no Irã. Colocar suas mãos numa fita ou num pôster do Metallica não era fácil, e quando você conseguia era mesmo como ter um tesouro, você realmente valorizava essas coisas.
IB –  A distância influencia a maneira como hoje vocês veem o Irã? Há esperança para dias melhores e livres?
Arash: Ninguém pode viver sem esperança, e nós todos queremos ver essa nuvem negra de radicalismo desaparecer dos céus do país e de toda a região. Você olha para fotos de cidades pequenas no Afeganistão, Irã e Líbano dos anos 50 e percebe que as pessoas eram pobres, mas eram felizes. Eu vi fotos de shows de jazz nos anos 60, em pequenas cidades do Irã, e vejo que Muçulmanos, Cristãos, Baha’is, todos levavam uma vida pacífica e alegre…. mas agora o tecido cultural da região está sendo rasgado pelo Islã radical, e nós esperamos ver o fim disso o quanto antes. Nós esperamos poder ver aquela região sorrir outra vez.
A seguir, a segunda parte: a carreira de uma banda expatriada.
 
* Vida de projeto tocado no tempo livre não é fácil. Graças a uma quantidade incrível de razões (basicamente) ridículas, tínhamos esse conteúdo guardado e ele permaneceu inédito todo esse tempo. Aos que nos acompanham, que nos ouvem e nos lêem, e à banda, tão atenciosa com nossas perguntas, pedimos sinceras desculpas pela demora.