Esta é a segunda parte de uma série de três posts.
Na última publicação, falamos das razões pelas quais o Kiosk não pode fazer sua música no Irã. Mas, mesmo milhas distante do Oriente Médio eles seguem lutando, à sua maneira, fazendo música e torcendo por dias melhores no país.

Upstairs: Ali, Tara, Mohammad. Front: Ardalan, Arash / Photo: LA Weekly
Acima: Ali, Tara, Mohammad. Na frente: Ardalan, Arash / Photo: LA Weekly

Exílio

Invasões Bárbaras – Parte da banda vive em New York, outra parte em Toronto. Vocês têm outros empregos ou conseguem viver exclusivamente da música?
Ardalan Payvar: Todos temos outros empregos de tempo integral além da música…
Arash Sobhani: …exceto a Tara, que é pianista profissional.
Ardalan: Se uma banda quer viver da música, ela precisa estar em turnê o ano todo.  Especialmente com o interesse decrescente por CDs, uma banda não tem como viver de discos ou vendas online. Ser uma banda iraniana torna ainda mais difícil já que nossas letras estão em Persa, então as cidades em que tocamos tem influência da presença de uma comunidade iraniana na região.
IB – Já que a maioria das músicas são em Persa, há alguma forma de quebrar a barreira da língua para alcançar público local? Quem é a audiência do Kiosk nos EUA?
Ardalan: Mesmo ela sendo formada basicamente por iranianos, nós também vemos muitos não-falantes de Persa em nossos shows. Nosso som vem de estilos ocidentais bem universais, como o Rock, Blues e o Gypsy, então isso ajuda a quebrar a barreira.
Arash: Também sempre experimentamos um ou outro cover em inglês. Gostamos de fazer isso e ajuda a envolver o público.
IB – Qual a importância de cantar em Persa? Há alguma decisão política nisso, ou é só mais fácil?
Arash: É como o nosso cérebro está construído, escrevemos canções sobre o que ocupa nossa mente e a maioria são coisas relacionadas diretamente com o Irã ou com a experiência da diáspora.

Kiosk in action / Photo: radiofarda.com (RFE/RL)
Ardalan: se a música é proibida, fazê-la é rebelde e político / Photo: radiofarda.com (RFE/RL)

IB – Notamos muitas bandas do Irã vivendo no exterior, a maioria nos EUA.
Arash: Sim, nos últimos anos deu para perceber uma onda de artistas deixando o Irã: diretores, atores, escritores, pintores e músicos fazendo parte do maior êxodo iraniano da história. O Irã teve a maior perda recente de mentes capazes do mundo.
IB – Mas podemos dizer que há algo como uma cena iraniana expatriada? Vocês e outros artistas costumam trabalhar juntos?
Ardalan: Sim, há um bom número de músicos fora do Irã e temos o prazer de colaborar com alguns deles. Todos os músicos populares bem estabelecidos do Irã deixaram o país depois da revolução e têm suas fontes, então é fácil para eles tocarem e gravarem regularmente. Mas a nova geração começou a sair do país no fim dos anos 90, então para ela é mais difícil conseguir viver de música.
IB – Tara, você não nasceu no Irã, mas existe alguma pressão por ser uma mulher tocando um ritmo proibido no país? Além disso, sua formação é em música clássica. Como ela é vista no Irã?
Tara Kamangar: Eu fui criada nos Estados Unidos e nunca senti nenhum estigma em ser uma mulher musicista. Meus pais estudaram música secretamente no Irã e sempre apoiaram minha decisão de seguir a música. Cresci ouvindo cantoras iranianas incríveis, como as muito populares Hayedeh e Googoosh, e a cantora de ópera Monir Vakili que gravou vários trabalhos do compositor Aminollah Hossein.
Mais recentemente, tenho amado me apresentar no piano tocando peças clássicas da autoria de mulheres compositoras como Delbar Hakim Ava e Golnoush Khaleghi, que estudou na Austria durante os anos 60, com uma bolsa do Ministério da Cultura Iraniano. O Irã tem uma rica tradição musical – os historiadores acreditam que o intercâmbio musical na região começou cedo, 4.000 anos antes de Cristo – e é um privilégio poder estudar isso.
Photo: triptyqtrio collection
Tara Kamangar se apresenta em concerto / Photo: triptyqtrio collection

Meu entendimento é que não há qualquer menção na lei iraniana que se refira à música clássica, e apresentações de peças clássicas ocidentais acontecem com regularidade no Irã. A música não é diretamente mencionada no Corão, embora algumas linhas islâmicas interpretem essa proibição a partir de alguns versos, o que contribuiu para o baixo status social dos músicos no país desde o advento do Islã. Esse estigma começou a diminuir nos últimos dois séculos através dos esforços de pioneiros como Ali-Naqi Vaziri, que também abriu a primeira escola de música para mulheres em 1925.
IB – Tara, vimos você num documentário contando sobre as cartas que recebe de outras jovens. O que acha que significa para elas ter o exemplo de uma mulher iraniana no palco, fazendo música?
Tara: A mulher no Irã, atualmente, não é autorizada a cantar para uma audiência masculina se não forem todos de sua família. Mas existem várias cantoras, talentosas, ativas, cantando e gravando suas músicas e as distribuindo via internet mesmo com as restrições do govenro. Acho que elas ficam felizes em ver uma mulher iraniana livre, se apresentando no palco com amigos que são respeitosos e me apóiam.
IB – Qual a importância de uma exemplo feminino, como Marjane Satrapi, para combater o preconceito contra a mulher islâmica?
Tara: O exemplo de mulheres fortes e gentis são uma maneira excelente de enfrentar o estereótipo negativo na mídia. Sua pergunta fala da “mulher islâmica”, mas é importante lembrar que a mulher iraniana pode ser judia, cristã ou Baha’i, por exemplo, ou mesmo não ter uma fé específica. A própria Marjane Satrapi que você citou: em entrevista recente para a revista “Believer” ela explicou não ter religião.
Tara: "Powerful female role models are a terrific way to counteract negative stereotyping" / Photo: Eyené
“O exemplo de mulheres fortes é uma forma de enfrentar o estereótipo negativo” / Photo: Eyené

IB – Desculpe, “mulher islâmica” não foi uma tradução perfeita, mas acabou nos levando a um ponto interessante. Mesmo professando religiões diferentes, ou religião nenhuma , há algum preconceito do ocidente com a mulher do Oriente Médio? Vocês enfrentam desafios diferentes em termos de respeito e reconhecimento?

Tara: Eu era a única menina descendente de árabes na comunidade em que cresci, e me sentia deslocada Às vezes, mas nunca experimentei desafios muito diferentes. Mas não posso falar por todas as garotas que cresceram em diferentes épocas e lugares no ocidente.
IB – Vocês acreditam que uma expressão artística é também um ato político?

Ardalan: Não acredito que toda expressão artística seja política, mas como a música é proibida pelo nosso governo, acredito que para muitos artistas/músicos iranianos ela acabe sendo um ato rebelde e político.  Assim como muitas de nossas músicas o são também.
IB – As redes sociais são fortes o bastante para furar o bloqueio? A música do Kiosk chega às pessoas no Irã?
Arash: Nossa música alcança o Irã graças à teconologia. O lance com as ditaduras é o seguinte: eles são idiotas! E são sempre derrotados pela tecnologia. Então, as redes sociais e o fato de se poder transmitir música eletronicamente funcionam a nosso favor.
Em breve, a terceira parte.
Você pode ler a primeira parte aqui.