Há cinco anos, tinham início as primeiras reuniões de pauta do Invasões Bárbaras. A casa do Costoli, no bairro São Luís, na Pampulha, era o palco dos debates, em longas reuniões que colocavam todos diante de novidades e evidenciavam gostos e repertórios individuais.
A função principal dos encontros era escolher músicas, optar por aquelas que seriam veiculadas no então embrionário programa de rádio. As escolhas, no entanto, sempre foram ofuscadas pelas surpresas, de um universo musical desconhecido e pouco explorado.
Assim, para os invasores, o grande destaque daquele ano de 2006 não foi a Copa do Mundo e o futebol pragmático e defensivo que consagrou a seleção italiana, com seu craque zagueiro e seus precisos “1 a 0”. A primeira grande surpresa surgiu sim da Alemanha, sede daquele mundial, mas em forma de reggae. Para os ingênuos ouvidos de então, aquilo soava completamente inesperado e curioso: reggae em alemão. E o resultado era surpreendemente bom, numa combinação idioma-música meio difícil de conceber “à primeira ouvida”.
Reggae bolchevique
A noite fria de outono em São Petersburgo parecia pedir um mapa à parte. O gigantismo arquitetônico, com quarteirões imensos e horizontalidades a perder de vista, transformavam a tarefa do viajante em um desafio ainda maior do que a barreira linguística, já experimentada em doses suficientes desde o início da manhã.
As indicações da recepcionista que só bebia leite não ajudaram muito e o método restante para a conquista da noite russa passava por apenas um caminho: o bom e velho metódo de tentativa e erro. E, assim, alguns pubs ficaram pelo caminho, tão vazios quanto as ruas, naquela cinzenta noite de terça-feira.
O ânimo já começava a dar sinais de congelamento, quando, em uma alameda sem árvores, sinais de vida soaram altos e claros. Os exóticos e desconfiados visitantes seguiram o ritmo e logo subiam uma escada íngrime, escura e cercada por desenhos. Enquanto a luz começava a aparecer e o som se tornava mais claro, os desenhos se revelaram grafites, mas isso só depois do interminável segundo lance de degraus.
Ofegantes e sem encontrar nenhum ser humano, informação ou barreira, a dupla chegou enfim ao terceiro andar e se deparou com uma espécie de inferninho russo. Pessoas loiras de dreads longos e tocas rasta se movimentavam harmoniosamente ao som de uma melodia um tanto surpreendente, um quase déjà vu. Sim, meus caros leitores: reggae em russo!
A banda Аддис Абеба (Adis Abeba) é da Bielorússia e canta em russo, bielorrusso e, as vezes, em alemão. “Музыка счастья” significa “Canção da felicidade”.
Entre os russos, destaque para o grupo Джа Дивижн (Jah Division), de Moscou, um dos precursores do ritmo no país.
Gerbert Zacharin Morales, criador da banda, é considerado o fundador do movimento rastafari na Rússia. O músico é dono de uma biografia digna de filme: nasceu da união entre um revolucionário cubano, que lutou ao lado de Ernesto “Che” Guevara, e uma russa, vinda de família aristocrata.
Para finalizar a postagem, mostramos um clipe do “Divisão Jah”, em uma canção que mescla idiomas e referências. Cuba e Jamaica cantadas em russo, espanhol e inglês, com a presença, é claro, da erva onipresente do reggae.
Tiago Capixaba é jornalista, mas queria mesmo escrever ficção