Jacques Brel nunca teve um romance quente e proibido com uma ninfeta, como José Mayer. Mas pode-se dizer que ele foi figura central na identificação dos brasileiros com o romance de Anita.
Brel, assim como Mayer, era um galã. E, diferente do brasileiro, interpretava de forma arrebatadora e intensa. Não foi à toa que “Ne me quitte pas” (não me deixe), um hino exagerado de perdão/idolatria a uma mulher, o lançou ao sucesso em 1958 na França e, bem depois, no Brasil.
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Apesar de fazer chanson française, Brel era belga. Nasceu em Bruxelas, dia 8 de abril de 1929, numa família de industriais. Começou em cabarés e eventos familiares, mas as letras e interpretações fortes não agradaram.
Contra a vontade de todos, se mudou para Paris (e abdicou da ajuda de custo da família). Sozinho na cidade, viveu tempos duros. Sucessivas audições renderam apresentações em cabarés obscuros, com recepção morna do público e piadas maldosas sobre seu jeito bruxelense. A sorte começou a mudar quando a cantora Juliette Gréco cantou uma de suas músicas em um show no Olympia, o templo da chanson francesa. Pouco tempo depois o próprio Brel teve seu début na casa, mas sem fazer barulho.
Do comunismo ao capitalismo
Uma influência importante foi François Rauber, pianista clássico que se tornou seu acompanhante nas gravações. Por compreender bem o universo de Brel, ele dá ao cantor formação musical e se torna o orquestrador privilegiado de todas as suas composições.
Em 57, depois da parceria, Jacques lançou seu segundo 33 rotações com a música Quand on n’a que l’amour e recebeu o Grande Prêmio da Academia Charles Cros. No ano seguinte tem sua segunda chance no Olympia – abrindo os shows de Philippe Clay. Aprovado pela massacrante maioria do público, ele é reconhecido como um verdadeiro homem dos palcos.
No início dos anos 60 ele se apresenta na então URSS, nos Estados Unidos e também no Oriente Médio. Das terras francesas, não fica um único lugar de fora. Mas a vida que levava era muito desgastante: turnês, noites brancas, conquistas femininas, álcool e, claro, muitos cigarros. Ao mesmo tempo, Jacques Brel já começa a pensar na idéia de largar a chanson.
Ne me quitte pas
A súplica do mundo da música não fez efeito. Em 69 Brel decretou que não tinha mais nada a dizer e compor e se declarou extremamente cansado das turnês sem fim. Disse, ainda, que tinha muitos projetos que queria realizar e não encontrava tempo. Bastou honrar os contratos firmados para que ele largasse a vida de chansonnier. O Grand Jacques, que inflamava as salas, dava vida aos personagens de suas canções, gesticulava, suava, que fazia de seus espetáculos verdadeiras maratonas, deixava os palcos da chanson.
Há quem diga que raramente um cantor vai conseguir exprimir novamente suas raivas e paixões com tanta sinceridade e gravidade quanto Jacques Brel. Exuberante, mas pudico, o cantor forçou a afeição de um público que foi por muito tempo severo com ele.
Recomeço e fim
A aposentadoria era apenas da música. Brel se dedica a montar uma comédia musical e se lança como ator, consagrando-se no cinema. Teve algumas decepções na sétima arte, como realizador.
No início dos anos 70, descobriu um câncer de pulmão. Aproveitou o tempo que lhe restava para curtir a vida na Polinésia Francesa e gravar um último disco, dedicado à chanson. Gravado na França em 77, o disco não teve nenhuma iniciativa de publicidade a pedido do próprio cantor, mas sua lista de espera era imensa antes mesmo do lançamento. Jacques Brel morreu no dia 9 de outubro de 1978. Em seu museu, na Bélgica, esta é uma das datas de visitação gratuita, juntamente com o dia do seu aniversário de nascimento.
Curiosidades
* Em 1955, quando ainda buscava o sucesso, Brel cantava para organizações cristãs, o que o rendeu o apelido de “Abade Brel” por parte do amigo chansonnier Georges Brassens.
* Jacques sempre chamava cantores jovens e desconhecidos para abrirem seus espetáculos. Era sua forma de retribuir as chances que teve quando jovem.
* Em 1963, ele foi cantar no Olympia com a cantora Isabelle Aubret abrindo seu show. Pouco depois, ela foi vítima de um grave acidente. Por isso, ele deu a ela os direitos vitalícios da canção La Fanette.
* Outra das paixões de Brel era a aviação. Suas aulas se iniciaram em 1963 e se seguiram pelos anos. Quando ele se mudou para as ilhas Marquises, na Polinésia Francesa, ele usava seu avião para fazer o transporte dos moradores entre as ilhas.
* Brel nunca fazia “bis” em seus shows. Manteve o hábito até na sua despedida, mas voltou ao palco para agradecer o público sete vezes seguidas.
* O artista também dedicou tempo e fundos na pesquisa contra o câncer e no auxílio às crianças hospitalizadas. O disco L’enfance teve toda a sua renda e os direitos vitalícios de autor dedicados à Fundação Floco de Neve de Lino Ventura, em benefício de crianças com deficiência. Em 1981, depois de sua morte, sua filha France criou a Fundação Jacques Brel, destinada a difundir a obra do cantor e também a sustentar a pesquisa contra o câncer e o auxílio às crianças hospitalizadas.