Não me lembro de nada mais bonito ter sido cantado na música brasileira sobre a figura do estrangeiro do que os versos de Caetano, por mais óbvia que seja a referência. Da escolha dos exemplos à descrição do cenário: Paul Gauguin e Cole Porter representam o arrebatamento que o Rio de Janeiro é capaz de causar naqueles a quem recebe bem; Lévi-Strauss ilustra aquele que detestou a Baía de Guanabara; “era ao mesmo tempo bela e banguela a Guanabara”; enquanto isso, Caetano caminha pela praia de Botafogo, ele também ali, naquele momento, um estrangeiro; arrebatado pela beleza e assustado com a conversa que escuta do velho com cabelos nas narinas. Relativiza a beleza, relativiza o seu lugar, evoca Santo Amaro – “que aqui começo a construir sempre buscando o belo e o Amaro” –, em uma crônica que é, acima de tudo, política.
Maga Bo
Tudo isso para apresentar Maga Bo, o estrangeiro. Norte-americano radicado no Rio desde 1999, ele é um produtor musical ligado à cultura das discotecas. Sua praia é um movimento que tem vários nomes: global bass, transnational bass, tropical bass, entre outros. A proposta é produzir música eletrônica para pista, a partir da pesquisa de elementos e ritmos de culturas locais. Como cabe quase qualquer coisa, é um rótulo que diz mais sobre o modus operandi de quem faz global bass do que sobre o resultado do que foi produzido.
Cumbia, kuduro, funk carioca, embolada, afrobeat, samba, jongo, música dos Bálcãs, enfim, tudo que se encontra dentro do perímetro do que chamamos aqui de “mundo bárbaro” é objeto possível para o global bass. Não por acaso, Maga Bo se apaixonou pelo Brasil.
Em nossas terras Maga Bo lançou em 2012 o disco Quilombo do Futuro, onde funde as matrizes orgânicas da musicalidade nacional com o peso grave da música eletrônica. Contou com a ajuda e a hospitalidade de nomes consagrados como BNegão, Marcelo Yuka e Lucas Santtana, além de trazer para o centro do palco Gaspar, Biguli, Funkero, Russo Passapusso, Robertinho Barreto e Rosângela Macedo, outras figuras interessantes. O intercâmbio no Brasil tem sido o mais duradouro de todos eles, mas Maga Bo já gastou sandália em mais de 40 países, dentre eles Marrocos, Índia, Etiópia, Senegal, Zanzibar e África do Sul.


Acima, você ouve Maga Bo estudando o coco do Nordeste, estudando o samba e estudando a guitarra baiana. O resto você ouve clicando aqui.
Quilombo do Futuro é muito do que diz o seu nome. É o quilombo, na força primitiva de resistir à dominação do mercado. É o futuro, representado pela potência das novas tecnologias, dos novos meios de organização social, da pluralidade de ideias e de gêneros. Maga Bo é uma enorme antena que capta os sons mais autênticos e característicos do Brasil e os amplifica, com a sensibilidade antropológica do olhar estrangeiro.
Quilombo do Futuro
Maga Bo, o estrangeiro, é como o estrangeiro Caetano Veloso. Caminhando pela praia de Botafogo com os ouvidos, os olhos e os poros abertos a todas as formas de beleza. Apontando para a riqueza infinita da música popular. Denunciando o papo careta de um mercado velho com cabelos nas narinas que se impõe e oprime tanta coisa boa – riscar os índios, nada esperar dos pretos”. O norte-americano Maga Bo é cidadão do mundo, podia ter nascido em qualquer lugar. Mostra que em música brasileira, muitas vezes, os estrangeiros somos nós.
Para não parecer que a referência foi gratuita, ouça mais uma vez (e sempre) Caetano Veloso cantando O estrangeiro, lançada em 1989 e cada vez mais atual. A letra você pode ler aqui.

Update: Também falamos no ar sobre produtor e disco, como conteúdo especial do Invasões #286. Nele, você ouve Maga Bo mandar uma música de capoeira, um hip-hop com embolada e um funk carioca da mais alta estirpe.