Destaque na edição #282 do nosso programa (que você ouve aqui) a banda John Wizards aterrissa em solo bárbaro diretamente da Cidade do Cabo. A sonoridade é filha do encontro entre o afropop e a música eletrônica, embalada no pacote “faça você mesmo, no seu quarto”. Há quem chame o que eles fazem de lo-fi, o que diz pouca coisa, na verdade.
É música para passear no parque, para sacudir os quadris, para assobiar, etc. A proposta é bem contemporânea, sem perder o contato com a mãe África. As músicas se organizam como se fossem colagens, sem o compromisso em se manter por muito tempo na mesma sequência melódica. A banda tem apenas um disco lançado, mas não falta história:
Fuga Ruanda->África do Sul
Emmanuel Nzaramba é, na África do Sul, uma espécie de refugiado. A guerra civil que se desenrolou em seu país nos anos 1990 vitimou vários de seus parentes. Estima-se que 800 mil ruandenses morreram em 1994, no massacre que a etnia hutu promoveu contra os tutsis. Parte do que foi esse triste e sangrento episódio você pode ver ilustrado no filme Hotel Ruanda (2004), com Don Cheadle.
Emmanuel cresceu nesse cenário, na difícil posição de ser filho de pai hutu e mãe tutsi. Como saldo da guerra, acabou não sendo bem aceito por nenhum dos dois grupos e desistiu de seguir a vida em seu próprio país. Foi para a África do Sul tentar viver de música. Aparentemente, a coisa não dava muito certo até que John Withers cruzou o seu caminho.
Conexão África do Sul + Ruanda
O jovem John Withers morou em Maputo e Dar es Salaam antes de se fixar na Cidade do Cabo, onde produzia trilhas para comerciais. Em 2010, sua banda era um projeto numa gaveta que ele abria entre um trabalho e outro. Um belo dia, trombou com Emmanuel, que trabalhava como segurança de carros na porta de um café.
Testemunhas indicam que o papo foi mais ou menos assim: “e aí, cara? Manda um som?”, “Uai, depende. Tô com um projeto aí. Quer ser o vocal?”, “Demorô. Eu canto reggae, fazia isso em Ruanda, minha terra.”, “Fechou então, cola aí.” Não sei dizer se John Withers tem parentes em Minas Gerais, mas o “uai” saiu com naturalidade.
A história
Os dois começaram a produzir juntos, até que Emmanuel desapareceu. Perdeu o emprego e o telefone. John procurou o quanto pode, mas não tinha como encontrá-lo. Interveio o destino: ao se mudar de casa, John foi parar na mesma rua em que Emmanuel morava. Desde então, a dupla se dedica ao projeto e a coisa decolou. Montaram uma banda para as apresentações ao vivo, colocaram uma ou outra faixa na internet e foram descobertos por Mike Paradinas (µ-Zik), produtor de música eletrônica, dono do selo inglês Planet Mu.
O disco
O álbum John Wizards saiu em setembro de 2013 por este selo e foi considerado pelo The Guardian um dos melhores do ano, com direito ao elogioso trocadilho “o mais mágico deles”. Recebeu várias outras críticas elogiosas e tem marcado presença em alguns dos principais festivais europeus.
Em um país marcado pela luta contra a segregação racial, o John Wizards é percebido pela crítica como um exemplo das conquistas pós-apartheid, embora essa não pareça ser uma bandeira que eles queiram levantar. A relação entre negros e brancos na África do Sul ainda inspira cuidados e, por menor que seja, uma banda de sul-africanos brancos, com um vocalista negro de Ruanda, fazendo sucesso na Europa, é um pingo de esperança.
No link para o Invasões #282 você pode ouvir as músicas preferidas da casa – Tet Lek Schrempf, Lusaka by Night e iYongwe – e talvez entender porque o cabeçalho faz referência ao basquete. Abaixo, você curte as faixas Muizenberg, Limpop e Maria.